domingo, 30 de setembro de 2012

Manipulação de informações estatísticas (parte II)

Continuando a discussão sobre como se pode manipular informações estatísticas para "modificar" o entendimento de determinados assuntos:


  1. "Um resultado perinatal adverso é um risco importante para mulheres que desejam enfrentar a primeira experiência de parto em casa. O British Medical Journal, em 2011, divulgou que para mulheres nulíparas [que nunca pariram] há evidências de que o nascimento planejado em casa está associado a um maior risco." O estudo acompanhou 64.538 gestantes cadastradas no Sistema de Saúde Inglês, excluindo aquelas com cesariana agendada ou que aconteceu antes do trabalho de parto (conhecido fator de complicações neonatais) e aqueles partos domiciliares não planejados. Como os outros estudos, este demonstrou (e colocou isso na discussão) que o parto domiciliar com equipe treinada e de gestantes de baixo risco não apresenta maiores riscos à saúde tanto da mãe quanto do filho, sendo considerada, sim, uma política pública adequada. Foi utilizado no estudo um desfecho diferente, que eles chamaram de "desfecho primário - DP" que incluía um agregado de mortalidade perinatal e de morbidades neonatal ao mesmo tempo, pois cada evento em separado é raro, dando um baixo poder de detecção de diferenças pelo estudo. Realmente constataram que nulíparas com parto domiciliar apresentaram maior incidência do DP comparadas ao parto obstétrico.  Ao mesmo tempo, avaliaram que essa composição de efeitos (desfechos) pode ter levado a uma maior valorização de alguns resultados.
  2. "Hospitais são os cenários mais seguros para o nascimento. O American College of Obstetricians and Gynecologists se manifestou sobre o tema, em 2011, afirmando preferência por este ambiente. A disponibilidade de um profissional habilitado e certificado dentro de um sistema integrado de saúde; a possibilidade de pronto acesso à consulta e garantia de transporte seguro e oportuno para hospitais próximos são cuidados fundamentais, segundo a entidade norte-americana, para a obtenção de resultados favoráveis." Sem maiores comentários. Quem dá a orientação é quem depende financeiramente dela. Conflito de interesses.
  3. "Meio milhão de mulheres morrem no mundo, por ano, em consequência da gravidez, parto ou puerpério (período que se segue ao parto, em geral de 42 dias). Este número significa aproximadamente uma morte a cada minuto." Comecemos: Quarenta e oito por cento das primíparas deram à luz em uma cesariana, o que é muito mais elevado que o limite máximo de 15%25 recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e superior às cifras registradas em qualquer outro país (Lancet maio 2011). Essa informação vale para o item 2 anterior e para tb explicar um pouco do total de mortes maternas no país. Como se sabe, cesarianas estão associadas com aumento de morbi-mortalidade materna. Estudos mostram que as principais causas de mortes maternas foram doenças hipertensivas (23% das mortes maternas), sépsis (10%), hemorragia (8%), complicações de aborto (8%), alterações placentárias (5%), outras complicações do trabalho de parto (4%), embolia (4%), contrações uterinas anormais (4%) e alterações relacionadas ao HIV/AIDS (4%). Gestantes com tais características não seriam enquadradas como candidatas ao parto domiciliar. 
  4. "55 casos para cada grupo de 100 mil é a razão de morte materna no Brasil. Este é mais que o dobro do indicador recomendado pela Organização Mundial da Saúde  (OMS), de 20/100.000." Mesmo comentário anterior.
Em resumo, há diferenças entre o que é exposto e o que é realidade. A distorção dos resultados pode ser extremamente danoso para a saúde da população.

sábado, 29 de setembro de 2012

Manipulação de informações estatísticas.

Não sei por que ainda leio os jornais do CFM/SIMERS/CREMERS. Na última edição há explicações "científicas" contra o parto domiciliar. Esse é um exemplo claro de como se pode manipular resultados estatísticos em prol do que bem quiser. Vamos colocar ordem nas coisas: 
  1. "Duas vezes maior é o número de mortes de crianças nos procedimentos realizados em casa. Artigo publicado no American Journal of Obstetrics and Gynecology encontrou uma taxa de morte neonatal de 0,2% (32 mortes em 16.500 nascimentos) em partos domiciliares planejados, comparada a 0,09% (32 em 33.302 nascimentos) em partos hospitalares." Por partes: O estudo é uma metanálise sobre partos planejados domiciliares versus hospitalares. Detalhes manipulados: Interessante a forma que a reportagem descreveu os riscos absolutos (0,2% e 0,09%). Para o primeiro, o arredondamento foi para mais (valor verdadeiro 0,194%) e para o segundo, o arredondamento foi para menos (0,096%). Mais: Falar apenas em Risco Relativo, sem discutir as magnitudes dos efeitos é outro truque. Ao dividirmos o risco de morte neonatal domiciliar (0,194%) pelo hospitalar (0,096%), realmente dá 2 (duas vezes mais risco de morte neonatal entre os partos domiciliares comparados aos hospitalares). O que não se discute é se o risco é grande o suficiente para tanto alarde - Menos de 1%. Ao se calcular a redução do risco absoluto, teremos (0,096 - 0,194) 0,098%, ou seja, seria reduzida uma morte para cada 1.000 partos. O NND (Número Necessário para causar Dano) calculado é de 1.022! Ou seja: São necessário 1.022 partos domiciliares para acontecer uma morte neonatal. Falando desta forma, a questão fica um pouco diferente, não? Só mais uma consideração: Só foi mostrado na reportagem esse resultado (supostamente) desfavorável - a propósito: o único do estudo -, e não que esse tipo de parto mostrou menores intervenções (incluindo necessidade de analgesia peridural, monitoramento de batimento cardíaco eletrônico fetal, episiotomias e cesarianas, além de menos lacerações, hemorragias e infecções. Também não houve diferença entre o risco de prematuridade, baixo peso, necessidade de ventilação fetal e de morte perinatal. 
  2. "Taxas de mortalidade perinatal e neonatal podem ser potencialmente aumentadas ao se optar pelos aparentes benefícios de um parto planejado em casa – incluindo os de caráter psicossocial e de menos intervenções médicas. Segundo estudo publicado no jornal Obstetrical & Gynecological Survey, em 2010, evidências sugerem que evitar o uso da tecnologia médica (como o monitoramento eletrônico da frequência cardíaca fetal, por exemplo) pode representar um importante fator de risco para óbitos perinatais e neonatais evitáveis." O próprio artigo cita que as taxas mais elevadas de mortalidade ocorreram nos estudos mais antigos, onde não havia um planejamento organizado na seleção das mulheres que pudessem ser candidatas ao parto domiciliar. Isso acabou por incluir gestantes não apenas de baixo risco, modificando o efeito dos resultados. Estudos mais recentes do Canadá não mostraram diferenças estatísticas nas taxas de mortalidade. Além disso, também cita num parágrafo final que "Por outro lado, partos domiciliares com parteiras/obstetrizes altamente treinadas , usando-se critérios rigorosos de seleção de gestantes oferece uma enorme probabilidade de excelentes efeitos para a mãe e recém nascido." Novamente só se escreve o que interessa do artigo.
SEGUE...

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Penúltimo dia

Colegas brasileiros, Iona Heath e eu...

Mr. Marc Jamoulle e eu...

Albertinaplatz - Viena
Bom... agora as coisas já estão mais tranquilas, pois já estou mais habituado com direções, transporte e como me mover dentro do congresso. Iniciei a manhã participando de uma discussão sobre uso da medicina baseada em evidência no ensino da medicina de família, com um grupo holandês. Muito bom, boas discussões. À tarde iniciei numa apresentação sobre "tempo no diagnóstico de neoplasias em APS", onde um grupo de pesquisadores europeus mantem uma série de pesquisas sobre o assunto. Basicamente eles acabam por "destrinchar" todos os elementos envolvidos no processo da busca pelo diagnóstico feito pelo paciente (aí envolvem-se várias questões desde sua capacidade de saber que deve procurar um serviço de saúde, até a acessibilidade a esse serviço), até o diagnóstico feito (pelos serviços secundários), passando pela atuação do médico generalista (com todas suas dificuldades em se "atinar" em buscar tal diagnóstico, além de ter pouco acesso aos exames para isso - que variam na Europa entre 25% a 88%, como no exemplo da endoscopia (Polônia e Reino Unido, respectivamente). Muito legal toda a discussão. Finalmente, entrei num "workshop" sobre o ensino de ações preventivas na APS, que me desagradou muito, pois foi muito teórico, com poucas pessoas na platéia. tanto que aproveitei uma breche e saí antes do final. À noite fomos a um jantar numa área de vinhedos da cidade, num restaurante muito legal. Conversei com meus amigos portugueses (João Siqueira carolos, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar; entre outros). Um momento muito legal foi quando Iona Heath resolveu nos acompanhar num café à tarde (eu e uns conhecidos brasileiros), com um papo muito bom. Aproveitei a oportunidade e falei com Marc Jamoulle, pedindo para tirar uma foto com ele, "para provar aos meus alunos que tu existe..." falei, fazendo com que ele desse muitas risadas. Um cara extremamente acessível, brincalhão e tranquilo. Bom, por enquanto é isso. Fico por aqui que já são 40min passados do dia 7 e eu ainda não fui dormir...

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Dia da apresentação






Após (mais) uma ótima palestra da Iona Heath sobre "A arte de não fazer nada", onde enfatizou que uma boa medicina não necessariamente passa por intensa medicalização, intervenções preventivas etc., participei de uma oficina sobre avaliação de "leaflets" (folders) feitos um pelo NHS e outro pela Cochrane Holandesa, sobre prevenção do câncer de mama. Acabei participando do grupo onde a própria Iona estava, além do
Domhnall McAuley (editor de APS do BMJ), tendo muitas e boas discussões. Definimos que ambos folhetos não têm informações que realmente sejam relevantes e uma linguagem acessível. Ficaram algumas dicas para a construção de outros com uma "roupagem" diferente. Almoçamos no congresso eu e a Cátia, sendo que às 14h foi a minha apresentação oral. Acredito que fui bem. Tinha bastante gente e que não saíram antes do final... hehe. Voltei ao hotel, fizemos um tempinho e pegamos o trem até o centro, onde havia um cocktail na prefeitura, com o prefeito e governador de Viena. É simplesmente maravilhoso o lugar. Após algumas atrapalhadas com as placas e alguns metros andados em vão, retornamos ao hotel, onde o calor está um pouco menor... mas segue brabo!  Bueno... Até amanhã!!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Viagem à Viena

Pessoal: Para se fazer uma omelete há de se quebrar alguns ovos, eu sei... mas quase 24h de viagem para chegar à Viena é dose... Não consegui dormir 1h seguida no avião (sem motivo aparente), cheguei em Viena e por eternos 15min fiquei sem ter notícias do traslado e, para fechar com chave de ouro, o Hotel (Lenas Donau), apesar de pago pelo Congresso (de hoje ao dia 7, para mim que apresentarei um trabalho), não tem ar condicionado, nem ventilador! E isso tudo num calor de 30ºC!! Tudo muito precário, mas para louco, até lavagem é banquete... O que ficou de bom no dia, além da companhia da minha mulher e do nosso filhinho na sua barriga, foi um ótimo jantar (às 16h do Brasil), numa casa de massas perto do Hotel. Perdemos a cerimônia de abertura, a comemoração e eu perderei de secar o Corinthians, mas tudo bem. Amanhã cedo eu faço o "check in" do Congresso, tenho a apresentação às 14h e depois é só alegria num jantar na prefeitura. Bom, por enquanto era isso. Meus olhos estão vermelhos de cansaço e o calor tá pegando. Abraços.